É impossível abordar a respeito da literatura jaruense sem lembrar-se de um dos pioneiros do município. Trata-se de Vicente de Souza Ramos, “o poeta maranhense”. Autor de aproximadamente quinze obras, todas no formato de cordel, Vicente Ramos (1957-2012) nunca frequentou uma escola para estudar. Durante o seu tempo de vida versou em rimas parte de sua trajetória pessoal e procurou conscientizar as pessoas a respeito da preservação do meio ambiente, mesmo em uma época em que os órgãos governamentais não possuíam nenhum tipo de análise sobre um possível impacto ambiental.
A chegada de Vicente Ramos ao Território Federal de Rondônia ocorreu em 1968 com o objetivo de trabalhar nas jazidas de cassiterita para “enricar”. Contudo, com fechamento de garimpos na região de Porto Velho, a solução foi se mudar para a Vila de Rondônia, atualmente Ji-Paraná. A chegada ao espaço onde anos depois seria o distrito de Jaru ocorreu no dia 25 de agosto de 1974. Depois de trabalhar em garimpos, Vicentão, como era conhecido, exerceu a profissão de barbeiro, por se tratar, segundo relatou, de um trabalho feito na sombra e em um ambiente mais agradável.
A identificação com a questão literária ocorreu muitos anos antes da chegada de Vicente Ramos a Rondônia. Seu primeiro livro foi “A Inteligência do Lavrador”, lançado quando ainda residia na região nordeste. Outras obras produzidas foram Aventura do Nordestino, A Vida do Garimpeiro no Território de Rondônia, O Massacre do Massangana, O Fechamento do Garimpo e a Despedida dos Garimpeiros, etc. A tragédia ocorrida no World Trade Center em 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos também foi contada em versos pelo escritor ao lançar no dia 08 de março de 2003 na Casa da Cultura Ivan Marrocos, em Porto Velho, o livro “O Terror que Veio Pelos Ares e Abalou o Mundo”. Em certo trecho da obra, Vicente Ramos destaca: O terrorista é alguém / Que não tem religião / Não tem alma nem espírito / Nem nervo nem coração / É um robô cuspindo fogo / Causando destruição. Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.
Na década de 1970, enquanto o governo federal incentivava os novos imigrantes a desmatarem a Amazônia como condição para permanecerem proprietários dos lotes doados pelo Incra, Vicente Ramos já alertava para os problemas que poderiam acontecer com o desmatamento desordenado. O lançamento do livro “O Clamor Nacional em Defesa da Amazônia” em 13 de maio de 1979 na capital amazonense destacou a importância da região. Em certo trecho da obra, o escritor traz a seguinte abordagem: O colorido das árvores / Formam tão lindas paisagens / Elegante aos nossos olhos / E abrigo para os selvagens / E havendo preservações / As futuras gerações / Gozarão de inúmeras vantagens. Anos depois, é possível constatar que o conselho de Vicente Ramos não foi seguido e a luta pela preservação do espaço geográfico amazônico continua a passos lentos.
Através da presente obra, Vicente Ramos homenageia diversos lugares por onde passou, entre eles Manaus, Ariquemes, Ji-Paraná, Cacoal e Jaru. Referindo-se à cidade de Jaru, Ramos diz: Jaru de terras férteis / Fantástica tão pitoresca / Que só a notícia nos diverte / Da produção gigantesca / Que todos seus habitantes / Tange o progresso pra diante / Com mente sadia e fresca. O suposto aspecto pitoresco é revisto poucas estrofes a seguir com o crescimento do lugar: Para Jaru que tinha / Um aspecto pitoresco / Há 18 de agosto de 78 / Deu um passo gigantesco / Marcando a evolução / Com a inauguração de uma agência do Bradesco. Ainda a respeito de Jaru, utilizando a literatura de cordel, Vicente Ramos registrou em versos: No início da implantação / Aqui da reforma agrária / Os parceleiros tiveram / Uma situação precária / Foi um período tão sofrido / Que o Jaru teve o apelido / De capital da malária.
O nome de Deus aparece com frequência nos versos em que escreveu em uma demonstração de confiança e petição para que o Criador lhe dê forças na produção literária. Ao escrever sobre si mesmo, Vicentão diz: Eu nasci com este dom / E precisa de divulgação / Nunca frequentei escola / Pois nunca houve ocasião / Só tenho o que Deus me deu / Mas, também dou o grito em defesa dessa nação. Quando não estava viajando para conhecer pessoas e lugares, Vicente Ramos observava, refletia e rimava. Certa vez ele fez a seguinte rima para um amigo dele que era fumante: A pessoa que fuma cigarro / Consciente do mal que ele faz / Que não ataca só o pulmão / Como os outros órgãos vitais / Está fazendo uma burrice / Que o próprio burro não faz. Bem humorado pessoalmente e nos versos que escrevia, Vicentão estava sempre pronto para enfrentar os desafios da lida diária.
Acreditar que era possível ver um mundo melhor fez Vicente de Souza Ramos entrar também na vida política. Sendo um dos fundadores do PMDB em Jaru, candidatou várias vezes aos cargos de vereador, deputado e também disputou a primeira eleição municipal realizada em Jaru no dia 15 de novembro de 1982 com o objetivo de ser eleito prefeito do município. Vicentão levou as campanhas políticas que participou de forma simples com seus versos em rima. Algumas pessoas chegavam a duvidar do seu potencial, mas ele jamais desistiu de seus ideais em lutar pelo que considerava justo. Não chegou a ser eleito, mas, sempre que possível colocou o seu nome à disposição da população jaruense e estava engajado em questões fundamentais da vida.
Produzir textos versos em um padrão onde se pode formar uma palavra na posição vertical, o chamado acróstico, era outra especialidade de Vicentão. O escritor homenageou profissionais de diversas áreas, entre eles, os professores, mesmo não sendo na data em que tradicionalmente se parabeniza a classe docente. Ele também alertou jovens, crianças e adultos sobre o perigo das drogas fazendo o uso do talento nato que possuíra.
Vicente Ramos faleceu em 24 de agosto de 2012 vítima de câncer de próstata. Porém o seu legado está eternizado por onde passou, especialmente em Jaru, o local escolhido por ele para viver os seus últimos dias na face da terra.
A reportagem acima é a primeira publicação da Série “A Literatura Jaruense”. As reportagens serão publicadas durante duas semanas, deixando dessa forma o leitor informado sobre os nomes que compõem a literatura do município de Jaru.
Autor: Elias Gonçalves